O “canvas” do modelo de negócio

Só este ano, a área de produtos digitais do grupo brasileiro de comunicação RBS já utilizou a ferramenta Business Model Generation duas vezes. A primeira foi para um novo negócio que vem sendo concebido por meio do convênio de pesquisa entre a RBS e a Faculdade de Comunicação da PUC do Rio Grande do Sul. A segunda tratou de um produto já existente que será relançado com enfoque novo.

“Reunimos várias pessoas em torno dos canvas em workshops e, assim, conseguimos construir uma versão de modelo de negócio melhor e mais clara para todos”, conta Diana Corrêa, analista de negócios digitais do grupo RBS. A empresa de comunicação de origem gaúcha vem utilizando desde 2011 o canvas que o suíçoAlex Osterwalder criou em meados dos anos 2000, quando terminava seu doutorado na célebre HEC Lausanne.

O canvas é a tela esquemática que materializa a Business Model Generation, ferramenta de geração de modelos de negócio que vem tendo um sucesso espantoso. Em um mundo com informações em excesso e pulverizadas, e que oferece uma série de ferramentas visuais, o livro Business Model Generation vendeu, em três anos, 750 mil cópias em 26 idiomas (no Brasil, foi lançado pela editora Alta Books) e a ferramenta teve mais de 1 milhão de downloads na internet. Sucesso entre empresas como GE, P&G e 3M, também é bastante aplicada em mercados orientais, especialmente China, Coreia e Japão.

Em entrevista exclusiva a HSM Management, Osterwalder atribui grande parte do êxito ao fato de a ferramenta ter interface muito amigável aos usuários. Mas ele não ignora que a maioria das empresas não gosta de fazer experiências e testes, nem do risco de fracassar, e que, para elas, o canvas funciona como um protótipo que autoriza os gestores a fazer outro protótipo mais sofisticado e em escala.

O depoimento de Diana Corrêa, da RBS, comprova a ideia da garantia: “O canvas nos fez enxergar visualmente o resultado de meses de pesquisa, e isso permitiu que encontrássemos diversos pontos do modelo de negócio que ainda precisavam ser aprofundados, além de ter novas ideias que aprimoraram a visão do produto”, relata a analista.

Para Osterwalder, modelos de negócio superados são o que explica a ruína de tantas companhias dos ramos de música, cinema, fotografia e editorial. Quando o paradigma desses setores mudou, as empresas tentaram mudar tecnologicamente, mas sem alterar os modelos de negócio. Não funcionou.

Para o criador da Business Model Generation, usar sua criatura só quando o novo paradigma já estiver instalado não é o mais aconselhável. “Principalmente quando têm sucesso, as organizações só pensam em crescer e executar melhor o modelo, esquecendo-se de que a validade desse modelo pode expirar. Se a empresa não faz experimentos com modelos de negócio, para gerar novos ou atualizá-los, enquanto as coisas ainda caminham bem, será obrigada a fazê-lo na pressa da mudança de paradigma, e o mais provável é que seja tarde demais.”

A aplicação do canvas tem ido além de gerar novos modelos de negócio ou revisar e atualizar os existentes. O próprio Osterwalder conta que algumas companhias o usam para checar a realidade, como quando, por exemplo, veem-se em processo de fusão ou aquisição e querem saber se o modelo de negócio da outra empresa é compatível com o delas. Uma finalidade ainda mais diferente é o uso para gestão, em diversos departamentos da empresa –conhecem-se aplicações na área financeira e na de recursos humanos, entre outras.

Segundo o consultor de empresas Francisco Albuquerque, cofundador da Agência de Cocriação, o canvas funciona muito bem, se utilizado com ferramentas complementares, para engajar os funcionários de seus clientes no alinhamento da estratégia com a gestão operacional. “Historicamente, alinhar estratégia com operação é um grande desafio e, quando realizamos esse tipo de ação, fica bem mais fácil”, afirma Albuquerque.

Um caso de empresa que recorreu a esse uso alternativo do canvas é o grupo SCR Tecnologia, que atua no mercado B2B de soluções em automação e tecnologia. De acordo com Ricardo Ferraz, sócio-diretor do SCR, o canvas os levou a gerar maneiras de melhorar o relacionamento com clientes-chave e a redefinir uma estratégia de vendas alinhada com a proposição de valor do grupo, além de possibilitar melhor percepção dos recursos-chave e maior comprometimento da equipe. “E, no campo dos modelos de negócio, conseguimos visualizar um novo negócio que permitirá a diversificação de nossos serviços”, diz Ferraz.

Osterwalder aprova novos usos não pensados por ele e declara-se fascinado com a receptividade da ferramenta no Brasil. “Os brasileiros são o segundo grupo que mais visita nosso site, perdendo apenas para o dos Estados Unidos, e também sei que o canvas vem despertando o interesse tanto de startups brasileiras como de PMEs [pequenas e médias empresas], corporações locais e subsidiárias de multinacionais.”

Contando a história

O canvas do modelo de negócio começou a nascer quando Alex Osterwalder preparava sua tese de doutorado em sistemas de informação gerencial na prestigiosa escola de negócios HEC, de Lausanne, na Suíça. Ele buscava o melhor modo de descrever o modelo de negócio de uma companhia. “Queríamos ver, meu orientador e eu, se era factível criar uma linguagem visual que resultasse útil para representar qualquer modelo de negócio”, relembra. Após a defesa, Osterwalder publicou a tese na internet, como tantos fazem, mas sem muita esperança de que alguém se interessasse em ler um conteúdo acadêmico daqueles.

Em pouco tempo, porém, ele teve uma surpresa. Começaram a baixar o documento incessantemente; tornou-se um equivalente do mundo corporativo para o fenômeno viral musical Justin Bieber. “Comecei a perceber que, em muitos casos, os que baixavam meu trabalho eram empresas e executivos, mas não fiz nada ”, recorda o autor.

Certo dia, uma companhia de telecomunicações da Colômbia que incorporou a metodologia de Osterwalder por meio da internet o convidou a dar um curso de capacitação e ele notou que havia demanda para o serviço. “Entendi, então, que valeria a pena escrever um livro sobre o tema e me associei a meu professor Yves Pigneur.” Juntos, publicaram, em 2010, o título que em português foi traduzido como Business Model Generation – Inovação em Modelo de Negócios.

“Primeiro, reunimos tudo o que se falava sobre estratégia, projetos e como chegar ao mercado –lembro-me da enorme gama de conceitos pregados em meu escritório. O passo seguinte foi depurar o tema, identificar os conceitos obrigatórios quando se trata de modelo de negócio; reduzimos a lista a nove elementos. Alguns eram conceitos correntes para as pessoas, mas de outros quase ninguém falava.” O resultado foi que, apesar de os nove elementos conceituais usados não serem novos individualmente, a maneira integrada com que os analisaram foi inovadora.

Antes de o livro ser apresentado oficialmente, contudo, Osterwalder e Pigneur resolveram testá-lo no mercado. “Isso é incomum, porque, em geral, as pessoas lançam a ideia primeiro e depois a testam para ver se realmente funciona. Mas nós demos um jeito de nos reunir, presencialmente e a distância, com 470 gestores e consultores de 45 países, para colocar nosso modelo sob seu escrutínio. Queríamos saber se o canvas lhes permitiria criar seus próprios modelos de negócio e entabular discussões melhores nas reuniões da empresa”, diz Osterwalder.

A resposta veio em larga escala e eles aprenderam muito, modificando o produto final. O especialista perdeu a conta de quantas vezes ouviu comentários como: “Consigo descrever esse projeto muito bem, mas, para aquele, parece faltar algo”. O canvas do modelo de negócio foi submetido à prova várias vezes e finalmente lançado em 2010. E, embora a primeira impressão tenha sido de algo muito diferente de toda a literatura gerencial, os leitores o abraçaram.

Os nove elementos

Em seu livro, Osterwalder e o coautor Pigneur desdobram os clientes, a oferta, a infraestrutura e as finanças de um modelo de negócio em nove blocos construtores essenciais, dos segmentos de clientes à estrutura de custos.

O livro traz ainda padrões de modelos de negócio, tipos de usuários mais frequentes e ferramentas de design que podem ser utilizadas complementarmente. Os padrões de modelos de negócio listados são cinco: negócios desagregados (uma organização tem três, por exemplo, e um é baseado em relacionamento com os clientes, outro em inovação em produto e o terceiro em eficiência em custos), cauda longa (oferta de mais produtos de nicho e venda de quantidades menores), plataformas multilaterais (facilitam a interação entre diferentes grupos de consumidores), grátis (ofertas gratuitas são financiadas por outros clientes ou produtos –nesse caso, há o “isca e anzol”, em que o produto gratuito exige que se compre um complemento para ser usado) e modelos abertos (frutos de colaboração com parceiros externos e comunidades).

Fonte: HSM

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